terça-feira, 9 de julho de 2013

[Reblog] E aí “dotora”, por que você faz Medicina?



"Eis a exata pergunta que o professor Gil Tognini me fez na aula inusitada e inesperada que tivemos sobre ética médica… E que aula! Não pelo conteúdo informativo, dados estatísticos e volume de informação. Não foi esse tipo de aula “a La” Dr João Américo. Especial ela foi porque nos chamou a reflexão: “Por que eu faço Medicina?”. Engraçado que quando parei e ponderei não sabia o momento exato em que eu havia optado pela medicina como profissão. Sem dúvida lembrei-me de diversos momentos e fatores que me influenciaram, mas nada pontual. Na correria, sai de aula e entra em aula, cursinho e pressão familiar e no corre-corre, vai aqui e vai ali, onde é que ficaram as bases sobre as quais eu me pautei para tomar essa grande decisão: fazer Medicina. Pergunto: Você as tem claras na consciência? … E aí vem a Microbiologia, a Semiologia, vem as clinicas, vêm as festas, vêm os plantões e vem o corre-corre e a pressão familiar novamente e a pressão da residência e onde estão as bases? E vem o preceptor equivocado, vem cansaço, vem desânimo, vem sentimento de impotência, vem o sono, vem a pré-prova, e vem prova e vem prova… E as bases onde estão? Claras na consciência?… Dr. Gil olhando para mim dizendo com sorriso de meios-lábios: Ei você “doutora”, por quê você faz Medicina?

 …

Surpresa fiquei quando entrei na Universidade e percebi colegas, muitos colegas, que estavam no banco acadêmico do curso de Medina pelo dinheiro, poder de influência, pelo status social… Coisas aqui que nesse humilde texto eu chamarei de objetivos supracitados. Talvez essa seja a profissão que tem maior número de ingressos que escolheram sua profissão pelos objetivos supracitados.

Mas a Medicina fundamentalmente não proporciona isso. A Medicina tira muito mais que dá. E eu não digo essa sentença com ares pessimistas, pois ela é verdadeira apenas dentro dos parâmetros e das ambições daqueles que buscam os objetivos supracitados. Que tristeza… Esses mesmo que só objetivam os objetivos supracitados são os sujeitos para os quais a sentença a Medicina tira muito mais do que dá torna-se verdadeira!

Quem olha e analisa com atenção percebe facilmente que os que conquistam as coisas supracitadas dentro da medicina são aqueles que fazem Medicina fundamentalmente pelo motivo que o prof. Gil mencionou em sua aula como o que deve ser o motivo propulsor para TODOS os acadêmicos fazerem o curso: Querer ajudar pessoas. Os profissionais que querem ajudar pessoas em meio a ajuda acabam encontrando mesmo dinheiro, status e poder de influência. São bônus que a profissão assim como tantas outras podem te proporcionar. Afinal reconhecido é aquele que faz o que gosta. E como gostar de medicina sem gostar de ajudar pessoas? Você “só” será chamado a ajudar pessoas todas as vezes que estiver com um paciente… Coisa simples: Se não gosta de ajudar não gosta de medicina. Gosta até pode ser de biologia, de desafio, de insuflar o ego, isso até pode ser… Mas de Medicina não gosta não.

No fim, se você quer dinheiro, faça concurso público. Afinal o que é que você vai encontrar na Medicina? Doente, doença, coisa feia no corpo dos outros, pereba, gente pobre querendo conversar com você demais, desabafar, gente pobre cheirando mal, responsabilidade e expectativa social perante você sempre querendo uma postura estereotipadamente correta… Enfim só encrenca para os adoradores das coisas supracitadas! Os seres que querem as coisas supracitadas vão ter SEMPRE: pouco tempo, muito trabalho, rigidez e impaciência pessimista, vão ter sempre o convívio com a doença, vão ter sempre que fazer plantão e passar 12 horas acordados com facies de criança comendo salada, ou seja, de quem comeu e não gostou… e reclamando antes e depois. Tudo sugando e ele sempre pensando estar recebendo pouco pelo tanto que dá…

E o que é que os médicos que querem fundamentalmente ajudar pessoas encontram? Os “ajudadores” vão ter sempre: muito tempo para fazer o que apreciam, muita flexibilidade. Esses também sempre terão o contato com pessoas, doentes sim, mas pessoas, o que faz toda a diferença. Eles são conscientes que tratam de quem sofre e precisa de compreensão. Eles terão trabalho de 12 horas, mas no começo dirão obrigado pela oportunidade de ajudar e no fim gratos estarão por isso terem feito, ou ao menos tentado fazer. Esses serão reais médicos pois estarão exercendo a real medicina: a arte do ajudar.

Sábio aquele que proferiu a frase: O médico tem de ter a consciência de curar quando for possível, aliviar sempre que necessário e consolar sempre! E como é bom encontrar um exemplar desses na Instituição de Ensino. Essas criaturas que entendem em essência sua responsabilidade e sua tarefa frente à sociedade e abraçam esse ideal de modo pleno e consciente. São uma inspiração. Fica a dica para que conheçam o Dr. Gil…

E importante se faz lembrar de mais algumas palavras do Professor Gil: “Não se trata de tolher nossa ambição e o desejo de se ter uma boa vida, de se ter bons momentos, de se ter lazer favorável e família bem amparada”. Isso é louvável em qualquer profissão. Não se trata de auto-anulação muito menos. A pergunta que se faz é por que você quer ser médico e não quais os outros benefícios que poderão advir do ser um verdadeiro médico.

No fundo, todo acadêmico de Medicina sabe que para ser BOM preciso é abdicar de algumas coisas. Teremos de abdicar queridos colegas em favor da profissão. Isso é fato. Mas preciso é ter-se bem clara a ideia do porque estou abdicando, por que estou trilhando esse caminho. Preciso é saber que estou firmando um pacto social de constante exercício da arte do ajudar, do ouvir, do perguntar e do consolar… E será sempre preciso lembrar-mo-nos desse ideal: Ajudar pessoas. Senão, no que é que nos transformaremos no futuro? Corrigindo-me: o que seremos agora mesmo como acadêmicos?



Um segundo se passou. A reposta ainda não saíra de meus lábios e Dr. Gil me olhando: “E então “dotora” por que você faz medicina?” Pense bem, com cuidado, com respeito a si mesmo e honestidade frente as suas características. Tenha consciência de que essa escolha não traz conseqüências apenas para sua vida… Afinal o que será de todos aqueles que estiverem de fronte de você na prática clínica precisando essencialmente da ajuda? Eles a terão? E que nós nunca nos esqueçamos: tivemos o livre-arbítrio de optar por uma profissão de responsabilidade. NÓS optamos e, portanto nós devemos arcar com as responsabilidades da mesma. Uma coisa é fato: Grande a responsabilidade na medicina, mas muito maior a recompensa íntima para os conscientes. "

-Lídia Maria Gonçalves
Acadêmica do Terceiro Ano – Medicina UFMS
Só pra esclarecer: esse texto foi escrito em junho de 2011. Então, possivelmente, a Lídia já esteja no quinto ano do curso.

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